Um dos símbolos mais marcantes da Região Norte e do Brasil, a onça-pintada é o maior felino do continente americano podendo chegar a 135 quilos. De pelagem amarelo-dourado com pintas pretas na cabeça, pescoço e patas, o animal possui físico resistente com grande força muscular, sendo a potência de sua mordida considerada a maior dentre os felinos de todo o mundo. Mas o homem é o pior inimigo natural dela, principalmente quando ele está dirigindo.
De acordo com pesquisa inédita feita no Brasil, 101 atropelamentos de onça-pintada foram contabilizados entre os anos de 2016 e 2018 em todo território brasileiro. O dado é preocupante visto que esses animais já são considerados vulneráveis a extinção. Segundo um estudo do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBIO) do Ministério do Meio Ambiente, o tamanho populacional do efetivo estimado do felino é menor que 10 mil indivíduos.
Para Rogério Fonseca, coordenador da pós-graduação em ciências florestais e ambientais da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e um dos pesquisadores, o número é preocupante se o bioma for onde a onça é muito ameaçada, como os pampas, a floresta atlântica e a caatinga. Porém, em áreas verdes protegidas, os atropelamentos de felinos são causados em rodovias sem planejamento.
Pesquisadores da Ufam
A pesquisa é feita por um grupo de sete pesquisadores do Departamento de Ciências Florestais da Faculdade de Ciências Agrárias da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). São dois doutores, um doutorando, um mestre e três graduando que tentam mapear todos os atropelamentos de onças nas rodovias e estradas brasileiras.
As maiores ocorrências são provenientes do Noroeste do Paraná e sul de São Paulo. Entre 2016 e 2018, apenas duas ocorrências foram registradas no Amazonas. Uma delas foi atípica, o animal foi encontrado em cabeça e sem patas na BR-174 que liga Manaus a Boa Vista na manhã do dia 13 de janeiro.
“O atropelamento de um anima não gera um boletim de ocorrência. Hoje nós contamos muito mais com o voluntarismo das pessoas no sistema deles ou no nosso aplicativo e isso irá para nosso banco de dados”, explica Rogério Fonseca.
O mapeamento, a análise de densidade e a destinação do material atropelado vão para a Ufam. A pesquisa ainda está em desenvolvimento e não foi publicada, mas já dá indícios de algo preocupante.
“Estados com maior malha rodoviária atropelam mais onças do que estados com menos malha rodoviária? Nós estamos percebendo que em teoria, não. O maior estado com malha rodoviária é Minas Gerais e nem tem tanto atropelamento assim”, comenta o pesquisador.
Segundo os pesquisadores, as onças-pintadas transitam em todo o território brasileiro.
“No Rio Grande do Sul teve três registros nos últimos três anos. Não é em grande densidade, mas o animal existe lá. Mas se compararmos com a Amazônia, a incidência é bem menor”, fala Rogério Fonseca.
Amazonas não é líder mas também não está em uma situação boa
Para comparar a situação do Amazonas nessa pesquisa, o coordenador fala que é preciso analisar de que forma deve-se olhar a situação do Estado.
“Se comparado com estados que possuem a mesma malha rodoviária, nosso estado está ruim. Por exemplo, a quantidade de estradas que tem no nosso estado, se comparado com o Amapá e Roraima, é muito menor, mesmo assim, a incidência é maior”, diz.

Para o pesquisador, se o número de animais atropelados é em uma frequência mais concentrada, então quer dizer que existe uma falha em reduzir o índice de atropelamentos de animais em estradas.
“Como uma pessoa pode atropelar um animal tão grande assim e passar despercebida pelos órgãos de gestão?”, observou.
Como ocorre a maior parte dos atropelamentos?
A maior parte dos atropelamentos acontece porque a onça está distraída se alimentando.
“A estrada é uma oportunidade de alimento. Por exemplo, se um lagarto foi atropelado, aquela carne está cheirando e ela irá até ele para comê-lo. Se é em um período noturno e o carro está iluminando, então, ela está sendo ofuscada. Se for um veículo de grande porte, então, ele passará por cima dela tranquilamente”, fala.
Outro problema que o pesquisador Rogério Fonseca encontra é que no Brasil falta uma política de gestão de fauna que realmente funcione.
“Faz 52 anos que o país tem uma lei de gestão de fauna e ela até hoje não tem decreto de regulamentação”, critica.
Como faço para ajudar na pesquisa?
Qualquer cidadão pode ajudar na pesquisa. De acordo com o artigo 25 da instrução normativa nº 3 de 01 de setembro de 2014 do ICMBIO, o recolhimento e o transporte de animais encontrados mortos dispensa a autorização de autoridades para o recolhimento. Mas isso só é permitido se o animal for destinado à instituição científica para ser utilizado no aproveitamento científico ou didático.
Porém, o parágrafo primeiro desse mesmo artigo diz que o cidadão deve obter o boletim de ocorrência, junto a autoridade policial, para possível fiscalização e a instituição científica deverá manter o registro do animal atropelado.
Os pesquisadores contam com a ajuda da Polícia Rodoviária Federal e da Polícia Militar para levantar dados relacionados ao atropelamento de onças e de outros animais. Se o cidadão comum quiser ajudar no processo, basta instalar o aplicativo chamado“Oia Onça” ou visitar o site do projeto http://oiaaonca.ufam.edu.br/frontend/web/index.php?r=site.
Casos curiosos
Fora o caso da onça encontrada sem a cabeça e sem as patas, o pesquisador também falou de outro caso registrado no Amazonas. Uma onça e uma anta foram atropeladas em um mesmo local, dentro de uma área de exploração de gás no Estado.
Outro caso que chamou a atenção do pesquisador foi um atropelamento de onça que aconteceu no município de Juína em Mato Grosso. A priori, a onça estava se alimentando e o motorista do veículo vermelho a atropelou. O animal morreu, horas depois, por conta dos ferimentos.
“Nas semanas sequenciais essa mesma fotografia teve um efeito ‘fake news’, com pessoas compartilhando falando que era do seu estado. Então, esse acidente foi de percussão nacional”, fala. Com isso, eles descobriram como esse efeito acaba acarretando em má informação.
Todas as fotos utilizadas nas pesquisas são feitas por colaboradores que acabam ajudando a mapear esses acidentes juntamente com a autoridade do local.
O professor Rogério Fonseca ainda acha que dá tempo de planejar uma forma de se proteger a onça. “O correto seria que essas empresas que usufruem das concessões tivessem mecanismos que evitasse os atropelamentos. Por exemplo, o uso de passagens de fauna (tanto por baixo quanto por cima)”, sugere.
O pesquisador também critica o fato de ser ter várias Organizações Não-Governamentais (ONG) centradas em animais domésticos e deixando os silvestres de lado. Para ele, deveria ter uma melhor gestão com alternativas aplicáveis.
“O que deveria ser feito é usar mecanismos educativos, com diminuição de velocidade, trafegar mais em horário diurno, monitorar de uma forma mais eficaz veículos de grande porte. Temos que procurar mecanismos alternativos e não somente leis”, conclui.
Fonte: Em Tempo