Por: Ricardo Alves da Silva – Tenente Coronel PMSC
Trata-se o presente estudo da transferência do veículo em 30 dias com infração colimada o art.233 do CTB.
Algumas explicações iniciais são vitais para oentendimento do correto procedimento dos agentes de trânsito, visto que a flagrância desta infração em via pública torna-se dificultosa, pois o CRV (Certificado de registro de veículo) não é DOCUMENTO DE PORTE OBRIGATÓRIO e na prática quem flagra tal conduta são os funcionários dos órgãos executivos de trânsito (DETRANs ou CIRETRANs) quando é efetuada a compra e venda ou transferência de um veiculo.
Como forma de constranger o adquirente a transferir o mais breve possível o veículo é que o legislador do CTB previu no Art.233 a infração de natureza grave (R$ 195,23) por não efetuar a transferência do veiculo em 30 dias.
Nada mais justo no campo moral e social, mas essa infração tem alguns problemas no campo legal.
Para começar é a uma das raras infrações que não ocorre necessariamente na via pública (nas infrações dos arts. 163, 164, 166, 234, 240, 241, 242, 243, o proprietário do veículo também não está na via terrestre), pois uma pessoa pode vender um veículo e transferi-lo sem necessariamente tirá-lo da garagem (nem para vistoria e decalque do chassi).
O Art. 1º do CTB determina que regulamente que se fiscalize o trânsito nas vias abertas do território nacional (vias públicas).
Extrai-se deste texto que a legislação de trânsito, bem como as infrações e crimes seriam inerentes as posturas incorretas adotadas por condutores (pedestres, ciclistas, motoristas) e veículos nas vias públicas e não em balcões de registros e licenciamentos de veículos.
Não obstante, quem deveria flagrar as infrações contidas no CTB deveriam ser os agentes da autoridade de trânsito DESIGNADOS para tal mister. Porém isto não ocorre na prática, pelo menos em nosso Estado.
O entendimento do órgão máximo Executivo de Trânsito de SC, ao qual não coaduno é de que a autoridade de trânsito não deve deixar de cumprir as disposições do art. 233, do CTB.
Pode esta Autoridade de outro turno, utilizar-se dos remédios constitucionais para curar as mazelas originadas por enunciados normativos inconstitucionais ou atentatórios ao interesse público. É assim que se alcança a segurança jurídica, é assim que se garante a democracia, é assim que se assegura direitos humanos e fundamentais.
Entende ainda o DETRAN que se o proprietário do veículo não adota as medidas que o código exige, incorre nas sanções que o CTB prescreve, e aí vai além da sua conduta na via terrestre, resultando em obrigações tais como manter o órgão de trânsito informado sobre seu endereço, alteração nas características do veículo, licenciamento, transferência, etc. O estatuto do trânsito não faculta à autoridade de trânsito a adoção das medidas e aplicação das penalidades. Essas obrigações são imperativas.
No entanto, as medidas punitivas têm, dentre outros, o caráter pedagógico. Elas devem servir para coibir os abusos e resguardar a segurança do Estado e da Sociedade, mas também para educar os cidadãos, que, na espécie, refere-se à educação de trânsito.
Por ser uma infração de certo modo, bastarda (não é de trânsito, pois não atende ao Art. 1º do CTB, não é flagrada por agente da autoridade de trânsito) ela guarda certas problemas os infratores e para os agentes de trânsito que lavram os respectivos autos de infração.
O art. 233 do CTB diz o seguinte:”Deixar de efetuar o registro de veículo no prazo de trinta dias, junto ao órgão executivo de trânsito, ocorridas as hipóteses previstas no art. 123.” Por sua vez, o artigo 123, disciplina em seu inciso “I” e “§ 1º”, que: “Art. 123 – Será obrigatória a expedição de novo Certificado de Registro de Veículo quando:
I – for transferida a propriedade;
…
§ 1.º – No caso de transferência de propriedade, o prazo para o proprietário adotar as providências necessárias à efetivação da expedição do novo Certificado de Registro do veículo é de trinta dias, sendo que nos demais casos as providências deverão ser imediatas.”
Assim, desobedecida as regras acima estabelecidas estará configurado o ato infracional que deve ser lavrado em FLAGRANTE, por pessoa competente e notadamente esse FLAGRANTE não ocorre por alguns motivos:a) CRV , não é documento de porte obrigatório;b) Somente é possível constatar a situação de “não ter efetuada o registro” em prazo hábilno setor administrativo de DETRAN e não pela fiscalização;c) Quem flagra essa irregularidade NÃO É AGENTE DE TRÂNSITO;d) A infração detectada é inserida diretamente no Sistema de Informatizado de inserção de Multas, não informando ao infrator/proprietário “em flagrante” do ato infracional cometido;
A competência para o exercício do poder de polícia administrativa de trânsito é imprescindível na verificação da validade da autuação promovida por agente de trânsito designado pela autoridade para tal finalidade. Para apurar se o ato admoestado é de jurisdição e competência da referida autoridade, seja essa competência privativa, comum ou delegada analisando-se, neste último caso, os limites da delegação.
A verdade é que as infrações administrativas de trânsito prosseguem firme se constituindo em medida das mais coercitivas, ainda que originadas de um “poder” relativo e sucumbem ao imperativo dela, todos aqueles que prescindem de levar à apreciação do Poder Judiciário toda ameaça de lesão a direito líquido e certo.
A lavratura de uma infração equivale ao do flagrante delito. Deve ser, simplesmente, o ato inicial de um processado, por suposta infração às leis do trânsito. Subentende-se que a colimação final, ou exigência erga omnes de seu pagamento, deve passar por uma trajetória na qual seja dado ao suposto infrator, mediante contraditório, amplo direito de defesa. Direito de defesa, diga-se de passagem, constitucionalmente erigido.
A infração de trânsito tem-se afigurado também, com mais força e poder do que o próprio débito fiscal. Este, até quando já inscrito, pode e é discutido, é transacionado e só em caso de faltar êxito às diligências levadas a efeito, para seu recebimento, é que é inscrito como dívida ativa tornando-se passível de execução ex vi legis.
As hipóteses para caracterizar a infração estudada são aquelas estabelecidas pelo artigo 123, o qual prevê “Será obrigatório a expedição de novo Certificado de Registro de Veículo quando:
I – for transferida a propriedade;
II – o proprietário mudar o município de domicílio ou residência;
III – for alterada quaisquer características do veículo;
IV – houver mudança de categoria”(grifo nosso).
Arnaldo Rizzardo em sua obra Comentários ao Código de Trânsito Brasileiro bem explica o assunto:
“Descrevem-se as hipóteses de necessidade de expedição de novo Certificado de Propriedade. Não de novo registro, eis que este continuará o mesmo, com as anotações ou averbações decorrentes da mudança. O Certificado, porém, será novo, eis que mudam os elementos que existiam no anterior, devendo o documento a ser portado espelhar com exatidão a realidade do veículo e de seu proprietário” (3ª edição, p.372).
Em todas as situações estabelecidas no art. 123 do CTB, requerem adoção de providências do proprietário para que possa ser expedido novo Certificado de Registro de Veículo.
O inciso I prevê a transferência de propriedade, que pode ser por alienação ou doação, competindo o novo proprietário medidas para que o veículo fique em seu nome.
O inciso II prevê a situação de mudança o município de domicílio ou residência do proprietário, devendo providências para que seu novo endereço esteja registrado no cadastro do veículo e, assim, quando for o caso, receber as comunicações dos órgãos de trânsito. Este inciso é de grande importância para o novo município, pois terá conseqüências tributárias relativas ao IPVA, pois parte deste fica no município onde o veículo esteja registrado.
O inciso III é o caso em que o proprietário realize alguma das quaisquer características do veículo e, finalmente o inciso IV quando houver mudança de categoria do veículo, ou seja, se ele era particular passa a ser de aluguel, de aprendizagem, etc.
Como visto é necessário que o proprietário do veículo nas situações previstas no artigo 123 do CTB descritas, adote as providências junto ao DETRAN para ter o novo Certificado de Registro do Veículo, caso não faça poderá ser autuado pela infração prevista no artigo 233 do CTB.
Denota-se do texto legal acima transcrito que o prazo de trinta dias, condicionados pela Lei de Trânsito ao proprietário, refere-se à tomada de providência para a efetivação da expedição do documento.
Não obstante, é imperioso destacarmos que o protocolo inicial conferido nos processo de transferência de propriedade não exaure a efetivação do processo de transferência de propriedade, até mesmo por que o órgão executivo de trânsito não efetua análise da documentação neste momento, figurando sim, apenas o termo inicial do aludido processo.
Deste modo, se o protocolo inicial do processo de transferência da propriedade feita pelo proprietário adquirente do veículo junto ao órgão de trânsito não exaure os atos necessários à efetivação de transferência, bem como se a lei condiciona que o prazo de trinta dias dado ao proprietário é para a adoção das providências necessárias à efetivação daexpedição do novo certificado, conclui-se que à infração por deixar de efetuar o registro no prazo de trinta dias, preconizada no artigo 233 do CTB, caracteriza-se pela desídia do proprietário em adotar providência necessárias a efetivação da expedição do CRV no prazo de trinta dias, demonstrada não só pelo primeiro protocolo do processo de transferência intentado a destempo, como também pela inércia do proprietário em adotar os atos diligenciados pelo órgão de trânsito como necessários à efetivação da expedição do CRV.
Assim, é os DETRANS, tem o entendimento que, compete ao proprietário adquirente do veículo diligenciar antecipadamente o encaminhamento da documentação ao órgão de trânsito para que, no prazo de trinta dias consiga exaurir, no que lhe compete fazer, as diligências necessárias à efetivação da transferência, não lhe cabendo deixar para última hora.
Ressalta-se, entretanto, que o órgão executivo de trânsito ao verificar a falta de documentos necessários à efetivação da transferência, deve de imediato comunicar ao interessado para que esse possa sanar o problema antes do vencimento do prazo de 30 dias. Esta obrigação em diligenciar toda a documentação necessária à efetivação da transferência é do proprietário adquirente do veículo.
Temos então que a infração se caracteriza quando o “último protocolo válido do pedido de transferência ocorre após o prazo legal”, ou seja, quando o adquirente do veículo entrega todos os documentos necessários a efetivação da transferência após o prazo de 30 dias.
Da sintética exposição, conclui-se que o agente da autoridade de trânsito, não consegue flagrar a infração em apreço na fiscalização de trânsito, o mesmo somente toma conhecimento desta, quando noticiado, informado ou chamado até a CIRETRAN para posterior lavratura do auto de infração com fulcro no art 233 do CTB.
Esta infração somente ocorre quando o PROPRIETÁRIO deixa de tomar as providências estabelecidas no Art. 123 do CTB “Será obrigatória a expedição de novo Certificado de Registro de Veículo quando:
I – for transferida a propriedade;
§ 1º No caso de transferência de propriedade, o prazo para o proprietário adotar as providências necessárias à efetivação da expedição do novo Certificado de Registro de Veículo é de trinta dias, sendo que nos demais casos as providências deverão ser imediatas”.
A transferência de veículo deverá ocorrer em 30 dias, contados da efetiva aquisição do veículo (data do recibo do CRV, uma vez que a data do reconhecimento de firma não poderá ser anterior à data do recibo).
Vencido esse prazo, será cobrada a multa no valor de R$ 195,23 porém não será acrescida pontuação ao prontuário do antigo proprietário.
A multa por atraso não é paga no momento em que é feita a transferência. O novo proprietário do veículo receberá a notificação, alguns dias depois, no endereço constante no CRV.
Portanto a lavratura do auto de infração de FORMA GERAL é efetuada em desfavor do antigo proprietário, no momento em que o funcionário da CIRETRAN flagrar que atransferência no foi realizada fora do prazo hábil, isto é, deve-se constar no auto de infração os dados do ANTIGO proprietário, pois é este quem não providenciou, em tese, a transferência.
Consoante impõe o artigo 280 inciso II do CCTB, que rege a forma de preenchimento do Auto de Infração de Trânsito, a data a ser referendada pelo agente no auto é a do cometimento da infração.
Ressalto que a infração se caracteriza na data do último protocolo válido do pedido de transferência, indubitável o raciocínio de que esta é a data que deve constar do AIT como sendo a do cometimento da infração.
Qualquer data posterior à data em que fora regularmente expedido o ato de registro em nome do novo proprietário, NÃO PODE SER CONSIDERADA INFRAÇÃO. Visto que não há como alegar que o novo proprietário cometeu a infração por deixar de registrar o veículo em trinta dias após o órgão estadual de trânsito expedir seu registro regularmente.
Em Santa Catarina o DETRAN adotou a providência de não inserir PONTUAÇÃO estabelecida pelo artigo 259 do CTB (PARECER JURÍDICO N.º: 033/DETRAN -SC/ASJUR/2002) ao antigo proprietário.
Ao novo proprietário (infelizmente), mesmo sendo ele na maioria das vezes o culpado pelo o exaurimento de prazo, caberá apenas a penalidade de multa que ficará vinculada ao veículo adquirido, porém este também não receberá a pontuação estabelecida pelo artigo 259 do CTB.
Por NÃO estarem sendo obedecidos os preceitos ora narrados, vários autos de infração estão sendo ANULADOS justamente por desobediência o Princípio da flagrância da infração, onde os auto de infração são lavrados em desfavor ao NOVO proprietário do veículo automotor.